Crise de Saúde Mental no Trabalho: Ansiedade e depressão levam o Brasil ao maior número de afastamentos em 10 anos

Dados de 2024 mostram que o país registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais. Trata-se do maior número desde 2014.

1/1/2025

Introdução

O Brasil atravessa uma verdadeira epidemia silenciosa: a crise da saúde mental. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, somente em 2024 foram registrados 472.328 afastamentos de trabalhadores por transtornos mentais, o maior índice em uma década. O crescimento foi de 68% em relação a 2023, impulsionado sobretudo pelos diagnósticos de ansiedade (141.414 casos) e depressão (113.604 casos).

Esses números não representam apenas estatísticas; eles revelam histórias de sofrimento psíquico, sobrecarga emocional e, muitas vezes, a falta de acolhimento tanto nas empresas quanto na sociedade. Para a psicologia, trata-se de um alerta urgente: o trabalho, que deveria ser fonte de realização e sentido, tem se tornado também um espaço de adoecimento.

Neste artigo, vamos analisar as causas, impactos e caminhos possíveis para enfrentar esse cenário, à luz de referenciais psicológicos, clínicos e sociais.

O Panorama da Saúde Mental no Brasil

Historicamente, a saúde mental no Brasil foi marcada por estigmas e pela negligência das políticas públicas. Durante décadas, os transtornos mentais eram tratados com exclusão, medicalização e internações prolongadas. A Reforma Psiquiátrica e a criação da Política Nacional de Saúde Mental mudaram esse paradigma, priorizando a atenção psicossocial e comunitária (Amarante, 2007).

Contudo, apesar dos avanços, ainda persiste um déficit significativo no acesso a serviços de saúde mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está entre os países com maior prevalência de transtornos de ansiedade no mundo, atingindo cerca de 9,3% da população (WHO, 2017). A depressão, por sua vez, afeta aproximadamente 5,8% dos brasileiros, colocando o país em destaque negativo no cenário internacional.

Esses índices se agravam quando associados ao contexto laboral, no qual pressões por produtividade, insegurança econômica e ambientes tóxicos contribuem para o aumento do sofrimento psíquico.

Impactos da Pandemia e das Condições Sociais

A pandemia de COVID-19 foi um divisor de águas. Além do impacto direto da doença, ela gerou isolamento social, luto coletivo, sobrecarga emocional e instabilidade econômica. Desde então, estudos apontam aumento expressivo de sintomas de ansiedade e depressão em toda a população, especialmente entre trabalhadores da saúde, mulheres e jovens (Fiocruz, 2021).

No pós-pandemia, o cenário não se estabilizou. Pelo contrário: a combinação de inflação elevada, precarização das relações de trabalho, insegurança alimentar e intensificação da cobrança por desempenho formou um terreno fértil para o agravamento da crise mental (Tempo, 2024).

Um dado ilustrativo é que, desde 2020, houve aumento de 55% nos preços dos alimentos básicos. Essa instabilidade econômica, aliada ao medo do desemprego, atua como fator estressor permanente, com impacto direto na saúde emocional (InfoMoney, 2024).

Ansiedade e Depressão: O Coração da Crise

Ansiedade

A ansiedade, em níveis adaptativos, é uma resposta natural ao estresse. Contudo, quando se torna persistente e desproporcional, transforma-se em transtorno incapacitante. No ambiente de trabalho, ela se manifesta em preocupação excessiva, sensação constante de alerta, insônia, dificuldade de concentração e sintomas físicos como taquicardia e tensão muscular.

Depressão

A depressão, por sua vez, vai além da tristeza passageira. Ela envolve apatia, perda de interesse, fadiga intensa, sentimentos de inutilidade e, em casos graves, ideação suicida. É uma das principais causas de afastamentos prolongados do trabalho e pode comprometer seriamente a qualidade de vida.

Juntas, ansiedade e depressão representam mais de 50% dos afastamentos por saúde mental no Brasil em 2024, segundo o governo federal.

O Papel do Trabalho na Saúde Mental

Para a psicologia, o trabalho tem uma função central na constituição da identidade do sujeito (Dejours, 1992). Ele pode ser espaço de reconhecimento, pertencimento e realização, mas também de sofrimento e alienação.

Modelos de gestão baseados em metas abusivas, jornadas exaustivas, falta de reconhecimento e assédio moral têm sido apontados como fatores de risco para o adoecimento mental. O Ministério Público do Trabalho já qualificou essas práticas como "instrumentos de gestão adoecedores", destacando a necessidade de revisão profunda nos ambientes laborais (MPT, 2025).

Custos Econômicos e Sociais

Os afastamentos por transtornos mentais não impactam apenas o indivíduo. Eles geram custos bilionários para a Previdência Social, reduzem a produtividade das empresas e afetam o clima organizacional.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cada dólar investido em programas de promoção da saúde mental no trabalho pode resultar em quatro dólares de retorno, devido à redução do absenteísmo e aumento da produtividade (OIT, 2022).

Assim, cuidar da saúde mental não deve ser visto como gasto, mas como investimento estratégico.

Respostas Institucionais: Avanços Normativos

Em agosto de 2024, o governo federal publicou a Portaria MTE nº 1.419, que revisa a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1). Pela primeira vez, as empresas passam a ter a obrigação legal de mapear e gerenciar fatores psicossociais de risco, colocando a saúde mental no mesmo patamar da saúde física no ambiente de trabalho.

Essa mudança representa um avanço significativo e aproxima o Brasil das diretrizes internacionais da OMS e da OIT.

Estratégias de Enfrentamento

Para as empresas

  • Implementar programas de saúde mental corporativa com acompanhamento psicológico.

  • Promover políticas de prevenção ao assédio e ambientes de trabalho respeitosos.

  • Estimular o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, evitando jornadas excessivas.

  • Investir em lideranças conscientes, capacitadas para lidar com questões emocionais nas equipes.

Para os trabalhadores

  • Estabelecer limites saudáveis entre trabalho e vida pessoal.

  • Praticar atividades físicas e rotinas de autocuidado.

  • Buscar apoio terapêutico quando necessário.

  • Desenvolver redes de apoio social e familiar.

Para o poder público

  • Ampliar investimentos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

  • Garantir acesso universal a serviços psicológicos e psiquiátricos no SUS.

  • Monitorar e fiscalizar o cumprimento da Portaria MTE nº 1.419.

    Referências

    • Amarante, P. (2007). Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz.

    • Dejours, C. (1992). A Loucura do Trabalho. São Paulo: Cortez.

    • Fiocruz. (2021). Impactos da pandemia na saúde mental da população brasileira.

    • InfoMoney. (2024). Afastamentos por saúde mental batem recorde e crescem mais de 400% desde a pandemia.

    • Ministério da Previdência Social. (2025). Dados sobre afastamentos por transtornos mentais.

    • Ministério Público do Trabalho. (2025). Nota técnica sobre saúde mental e trabalho.

    • Ministério do Trabalho e Emprego. (2024). Portaria MTE nº 1.419 – Revisão da NR-1.

    • Organização Internacional do Trabalho (OIT). (2022). Relatório sobre riscos psicossociais no trabalho.

    • Organização Mundial da Saúde (WHO). (2017). Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates.

    • Tempo. (2024). Aumento de 68% nos afastamentos por ansiedade e depressão no Brasil.